domingo, 21 de novembro de 2010

A consciência negra em uma equação

Porque o direito, a realidade ‘direito’ – não as idéias sobre ele do filósofo, jurista ou demagogo – é, se me permitem a expressão barroca, secreção espontânea da sociedade e não pode ser outra coisa. Querer que o direito reja as relações entre seres que previamente não vivem em efetiva sociedade, parece-me - perdoe-se-me a insolência - ter uma idéia muito confusa do que é o direito.” – José Ortega y Gasset, A Rebelião das Massas


Há uma grita premente por reformas gerais nas leis que garantam que cidadãos com ideais discutíveis só possam andar na condicional por bom comportamento. Essa urgência vem de grupos sociais, todos eles, calcados na agenda dos “excluídos” procurando seu pé-de-meia: os homossexuais, os negros, os sem-terra, as mulheres, o movimento anti-manicomial (que não é composto de loucos, mas é o que os fazem parecer tão sensatos).
Não buscarei ressuscitar a velha discussão sobre a legitimidade de cada um desses grupos: é consabido entre os 2,7% de alfabetizados da população que os italianos vieram ao país para substituir a mão-de-obra negra, que ficava cada vez mais cara, e nem por isso têm “cotas sociais”; que as mulheres não foram trazidas acorrentadas de outro continente para cá, nem são espancadas quando beijam outras rachas (em verdade, filmes com essas demonstrações costumam valer uma nota) e Hitler não as culpou pela derrota alemã na Primeira Guerra.
Por outro lado, essas políticas de inclusão (do Bolsa-Família ao Bolsa-Presidiário, da cota social até a lei da homofobia) revelam o caráter revanchista, vitimista e sangue-nos-olhos que caracteriza a esquerda contemporânea – aquela que morre de medo de se outorgar comunista, mas não permite a existência de nada fora do Estado. Aquela que sempre diz que a esquerda mundo afora não deu certo por não ser de esquerda o suficiente, mas sempre que é careada à esquerda das antigas, diz que esta foi degenerada. A esquerda que quer um Estado comendo nosso rabo pelas bordinhas.
Com o vitimismo, que exige privilégios para uma classe e culpa uma outra, de bordas esfumaçadas e contornos imprecisos (“a elite”, “a classe média”, “a mídia golpista”), vê-se como um esquerdista quer tomar o poder: seu sonho não é apenas encher a burra dos vulgos “oprimidos” que julga representar, mas atacar e destruir um inimigo preciso. O sonho do revolucionário é liderar uma turba enfurecida.
O caso Mayara, os espancadores de gays e todos os outros exemplos recentes e não tão recentes apontam para a direção que essa cultura do grupelho se auto-pechando por “vítima” nos leva. Não se pretende aqui dizer asneiras da direita caricata a respeito do Bolsa Família, nem sair em defesa de retardados que ainda possuem preconceito contra os feios – como já afirmou Olavo Pascucci, o homossexualismo não constitui flagelo ético, mas sim um ataque estético – com efeito, é feio pra caralho um galalau introduzir a trosoba própria em lorto peludo alheio.
Porém, a forma rasa com que se lida com o problema dos neofascistas que atacam minorias desprotegidas não se diferencia muito de um neocomunismo – e, a despeito do que a turma do marxismo de bem com a vida possa ousar afirmar, nunca conseguirão provar que o fascismo matou mais do que o comunismo, e nem que se buscar o socialismo democrático procurarão desculpas para algo tão quimérico e oximoroso quanto o fascismo democrático.
Os averiguadores de cotas da Universidade, que vê no olhômetro se você é um negro de verdade ou apenas um mameluco qualquer que, graças ao sangue explorador de algum tio seu, não merece o mesmo benefício de um tição que brilha no escuro, instaurou o primeiro comitê de pureza étnica do Brasil. A lei da homofobia quer instaurar o primeiro (primeiro?) grupo com poderes inexistentes aos demais grupos sociais. Isso sem falar em lei da imprensa, controle social de propriedades etc.
Tudo lembra bem aquele revanchismo que rolou com um certo partido golpista e totalitário que tomou o poder na Alemanha em 33. Claro, não quero recair na Lei de Godwin. Mais óbvio ainda, sei que o PT em (quase) nada se parece ao nacional-socialismo. Porém, o ponto mais preocupante dessa cultura está sendo negligenciado na discussão hodierna: o que mantém a turba enfurecida, até o momento, sob controle?
Antes de imediatamente propor ao Congresso o Bolsa Gardenal, basta fazer uma continha simples, de resultado surpreendente. O que fez Hitler, um Zé rodela de mão cheia, ser líder absoluto de um país, vá lá, rural e de idioma de estrebaria, mas também culto e maior guardião da cultura clássica ocidental que ainda pisa filosofante nesse planeta?
Apesar de lembrar o Mr. Manson e sua explicação científica de que os neurônios responsáveis pelo cálculo matemático são os segundos a serem destruídos pelo incessante uso de THC (só perdendo para aqueles responsáveis pelo bom gosto musical), a conta é acompanhável indolormente: o nazismo culpou os judeus pelo opróbio alemão. Os judeus, como hoje, eram a elite econômica. Em menor número, não puderam sonhar em ter sequer uma margem de votos representativa contra a ascenção do nazismo. Um povo inteiro em fúria esmagou, com sede de uma vingança sem justificativa, cada semita que encontrasse, mesmo o mais miserável e o menos explorador.
O que muda no Brasil atual? Na verdade, fora os aspectos gritantes que diferenciam a democracia brasileira do totalitarismo alemão (que poderiam ser facilmente reduzidas a filigranas menores e derrubadas com a pressão do segundo fator), a diferença é o número de negros brasileiros frente aos brancos.
Com efeito, mesmo no Brasil um Charles Manson teria dificuldade em iniciar o seu Helter Skelter. A “classe média burguesa”, de contornos imprecisos, é muito numerosa. Aqueles que podem ser atingidos pela lei da homofobia por cada piadinha envolvendo entubação de mangalhos exigiriam que, se a lei fosse aplicada stricto sensu, a internet fosse fechada, e todos os homens e mulheres, de cada classe social, que ousassem o heterossexualismo (ou mesmo os gays falando entre si, que são, como os judeus, uma turma que adora saudavelmente rir de si própria) fossem pra cadeia.
A turba que é “vítima”, assim, tem um discurso de ódio, mas só pode ficar no discurso. Nem mesmo se quiser fazer sua revanche pegando o seu alvo de galera logrará êxito notável. O número de brancos, classe medianos e outras características “conservadoras”, no Brasil, mantém a massa de manobra de grupelhos políticos bem quietinhos – mas somente o seu número, mesmo. Para o bem dessas próprias minorias.
O discurso oficial, mesmo com feriados como o Dia da Consciência Negra (que é feriado oficial em 2 estados, enquanto o Dia do Índio não o é... mas quantos índios você conhece, afinal?!), promove o ódio revanchista. Felizmente, apesar de não perceberem que a vida dos pobres e oprimidos está melhor porque essa “elite” lhes deu produtos baratos (e mesmo esgoto e água encanada) a um preço irrisório com os quais os seus bisavós nunca sonharam em possuir, o governo ainda não pode extinguir tudo aquilo que considera nocivo ao seu propósito de igualdade, sob risco de ter de extinguir boa parte da raça humana do país.
Os negros que são os atores mais populares, o melhor jogador de golf, o melhor economista, a mulher mais importante da mídia americana e até mesmo o presidente podem sonhar felizes com suas conquistas pessoais. Infelizmente, para os outros, há o discurso de you’re less: work less, expect less, bem denunciado por Thomas Sowell, o melhor economista vivo, por coincidência, negro.
A consciência negra não precisa acabar com o que os brancos construíram. Mas, por mais que o governo queira, felizmente, a briga seria tão massacrante que nos destruiria. Isso não acontecerá nem que eles forcem mais a barra. Ainda bem.

Flavio Morgenstern 

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